Me convidaram a falar do #primeiroassedio que sofri

Me convidaram a falar do #primeiroassedio que sofri. Enquanto vítima, sinto que chegou o momento de exorcizar alguns traumas.

O assédio que a garota de 12 anos do MasterChef Júnior sofreu na internet chocou muita gente e estourou a discussão sobre abuso infantil. Infelizmente, a maior parte do choque sofrido não veio do fato de assistirmos homens adultos cobiçando sexualmente uma criança – afinal, isso ocorre todo dia nas ruas mais movimentadas das maiores cidades brasileiras. O que mais impressionou foi a capacidade de ver pessoas dizendo abertamente na rede mundial de computadores que sim, queriam mesmo estuprar uma criança.

Quantos assédios sofri? Qual o primeiro? Tenho que falar sobre isso até para que as outras pessoas saibam que abuso infantil não é exceção... É praticamente uma regra mesmo. No mínimo, toda menina que já passou pelos 12 anos de idade já ouviu barbaridades nas ruas. O abusador quase acredita que aquela é a ordem natural das coisas; os transeuntes acham normal e não interferem. É repulsivo, mas cotidiano.

O culto aos corpos femininos infantis e adolescentes que revistas, novelas e filmes propagam só agrava a coisa toda. O padrão de beleza imposto às mulheres é pedófilo em essência. Os corpos jovens são os mais cobiçados e nossas meninas são hiperssexualizadas e abusadas de maneira covarde por aí, enquanto mulheres mais velhas correm atrás do tempo para tentar manter o padrão “novinha”, com dietas, plásticas e depilações ousadas.

Eu tinha onze ou doze anos quando curtia férias no Rio Grande do Norte com minha família e descobrimos um motoqueiro se masturbando na rua, a uns poucos metros de distância, enquanto me olhava na piscina do hotel. #prontofalei. Foi horrível. Não tornamos a falar disso, mesmo mais de uma década depois. Mas esse ainda não foi o abuso mais traumático para mim; não foi ele que resolvi chamar de #primeiroassedio.

Com doze ou 13 anos, voltava da escola quando um cara apalpou minha bunda no meio da rua. Não sei que satisfação teve o desgraçado, mas sei que não acreditei de cara que ele tivesse me feito isso. Só podia ser alguma amiga ou familiar brincando... Mas ele passou por mim e me encarou: era um desconhecido.

Sabe aquele pesadelo onde você tenta gritar e não consegue? Eu queria reagir e não podia. O ar faltou, as palavras de protesto não vieram. Eu era só uma menina.

Desse dia em diante, sempre que precisei voltar da escola sozinha (a escola era muito próxima de casa e algumas vezes minha aula acabava mais tarde que a dos meus irmãos), fiz o trajeto com uma pedra na mão. Se ele voltasse, eu revidaria. Se outro abusador aparecesse, eu também o apedrejaria. Queria estar pronta.

Não falei disso com ninguém por anos e anos e anos. Os anos acabaram virando mais de uma década e permaneci calada. Que maldita vergonha era essa que eu sentia? Vergonha de ser mulher, de ser feminina, de não ter podido me proteger. De não ter podido reagir. Depois fiquei velha e tive medo de fazer meus pais sofrerem... Sempre se esforçaram tanto para me dar tudo e toda a felicidade do mundo! Não queria que soubessem que naquele momento eu estive desprotegida.

Com este desabafo, também quero me desculpar. Quero o perdão das meninas e mulheres que foram estupradas, que tiveram suas almas e corpos violados. Eu sofri tão imensamente menos que vocês e deixei isso me corroer até hoje. 

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