Mr. Darcy e contradições de uma feminista amefricana do século XXI

Amanda entre Lizzie e Darcy na minissérie "Lost In Austen"

Um dos meus pequenos prazeres contraditórios é ser apaixonada pelos livros de Jane Austen e suspirar por seus personagens masculinos - em especial o mais famoso, Mr. Darcy. Claro que Jane foi pioneira não só em ousar escrever e ser publicada, algo à época reprovável para uma inglesa de sua posição, mas em muitas outras coisas: além da sutil ironia com que retratava as hipocrisias da sociedade inglesa dos tempos da regência, colocou algumas pequenas pílulas de crítica social em seus romances.

Apesar dos pioneirismos em sua época, ser fã dos livros de Jane hoje tem sim um certo ar retrô que muitas vezes não encaixa bem com uma feminista negra do século XXI. Pra comprovar o que digo, basta dar uma olhada geral no fandom de Austen e nas adaptações para o cinema, para a tevê e até nas publicações fanfic que o cercam. A produção da indústria cultural para esse nicho vai dos livros e filmes de Bridget Jones ao livro (e até filme, por Deus) "Orgulho e Preconceito e Zumbis” - esse eu não assisti, nem muito menos li, tudo tem limites.

Uma coisa comum que encontramos no fandom de Austen é o sentimento bizarro de que "já não se fazem mais homens como antigamente" - ainda bem que não se fazem, né? Imagina um palhação do século 19 querendo ditar a vida da gente hoje. Sendo Jane uma mulher à frente de seu tempo, é estranho que suas fãs sejam mulheres que suspirem nostálgicas pelo passado, com os olhos fixos no que ficou pra trás.

Apesar dessas reflexões críticas, confesso, sou uma daquelas que consomem os produtos voltados para o nicho Austen: li todos os livros de Jane, claro, e, quando bate aquela saudade, vejo e revejo as adaptações para o cinema e a tevê. Vi incontáveis vezes - e suspirei em todas elas - o Colin Firth saindo do lago com a camisa branca colada ao corpo, assim como Matthew Mcfadyen ensopado pela chuva declarando seu amor pela Keira Knightley.

Na minha última temporada de saudade do Mr. Darcy, assisti a minissérie bobinha Lost in Austen, que foi o que me motivou a vir aqui escrever estas palavras. Na trama de 2008, uma fã dos dias de hoje de "Orgulho e Preconceito", Amanda, tem a oportunidade de trocar de lugar com a própria Elizabeth e de viver na casa dos Bennet, sendo cortejada ela mesma pelo Darcy.

Enquanto Amanda se maravilha com a Inglaterra regencial, Lizzie se apaixona por nosso mundo contemporâneo. E nisso, especificamente, acho que a série acerta: Austen e suas personagens se dariam muito bem com mais liberdade e possibilidades de viver.

Em uma cena de "Lost in Austen", Amanda convida sua melhor amiga, uma mulher negra, para entrar com ela na época de "Orgulho e Preconceito", e a amiga responde pra ela que não seria bacana para uma negra voltar ao século 19. Óbvio, né? Esse leve alerta para os reacionarismos do fandom de Jane Austen quase valeu meu tempo perdido assistindo os quatro episódios da minissérie. Eu, assim como a amiga de Amanda, não me daria muito bem se trocasse de lugar com a Lizzie Bennet.

Apesar dos pesares, a sexualidade humana tem nuances estranhas, e a vida de uma feminista amefricana pode conter pequenas contradições e prazeres questionáveis. Ao mesmo tempo que rejeito o saudosismo barato por uma Inglaterra regencial que jamais me incluiria, continuo volta e meia suspirando pelo Darcy e tentando encontrar alguns de seus traços no marxista sério com quem casei. Hahaha. E vida que segue.





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