"Ginny e Georgia" e suas convergências com minha passabildade parda
Quando assisti "Ginny e Georgia", da Netflix, me identifiquei de tal maneira com a personagem da Ginny que fiquei refletindo nos porquês. E achei convergências, apesar da trama agitada divergir em muita coisa da minha vidinha quase sempre monótona.
É importante não confundir essa passabilidade com privilégio branco. Apesar de ter mais acessos, o mestiço, ou pardo negro, continua a sofrer racismo, mesmo em grau diferente. Isso fica bem negritado na cena em que a Ginny está no auge da entrosação com seu grupinho da escola. As meninas todas se fantasiam de Britney Spears, e a Ginny se veste como a jovem Britney de "Baby One More Time": peruca loira, dois coquinhos, roupitcha colegial.
"De um modo geral, a mulher negra é vista pela sociedade a partir de dois tipos de qualificação 'profissional': doméstica e mulata. (...) Sem se aperceberem [as mulatas] são manipuladas, não só como objetos sexuais mas como provas da 'democracia racial' brasileira; afinal, são tão bonitas e admiradas! Não se apercebem que constituem uma nova interpretação do velho ditado racista 'Preta pra cozinhar, mulata pra fornicar e branca pra casar'." (Lélia Gonzalez, em artigo do livro "Por um Feminismo Afro-latino-americano")
No Brasil de hoje, assim como nos Estados Unidos, já não é possível ler a questão racial sem admitir a passabilidade do negro de pele clara, que tem mesmo muito mais acessos. Só que esses acessos continuam tendo limites. A mucama mestiça que trabalhava na Casa Grande com certeza teve uma experiência de escravidão diferente da mulher negra que trabalhava fora da casa do senhor, E essa diferente experiência só se agudizou com o tempo, pois a estratégia da branquitude é querer ressaltar cada vez mais as diferenças entre os pretos e os pardos, enquanto continua a oprimir os dois.
A negra parda que alisa o cabelo e que fez rinoplastia por um nariz "afilado" está cada vez mais perto de alcançar se parecer com a raça privilegiada, embora jamais vá ser aceita totalmente como um dos de cima. Nas periferias ou nas classes médias, o movimento mais constante é nesse sentido: do pardo querer ser incluído entre os brancos.
Os números nos mostram que pardos são maioria nas penintenciárias e no número de assassinatos praticados pela polícia. Sendo assim, é fundamental que, para que consigamos derrotar o projeto racista, tenhamos unidade entre pretos e pardos como negros. Se o pardo para de querer entrar no hall da branquitude e começa a reconhecer a sua negritude, teremos muito mais chances contra o sistema.
Durante um tempo, assim como fez Ginny, eu quis tentar viver mais "facilmente", disfarçando um pouco minhas características negras. Nossa, como minha transição capilar revoltou alguns familiares, haha. Mas essa sou eu. E não pretendo mais me contentar com a minha passabilidade.
Perfeita sua análise e contextualização...
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