Capitu e remorsos

Até ontem, eu tinha um gato macho chamado Capitu. Ele chegou com dias de nascido em minha vida, e naquela época pensei que ele era ela. Já chamava ele Capitu e não quis mudar quando descobri que era macho. Se alguém questionava, eu dizia que Capitu era apelido de Capitolino, meu amor felino.

Ele viveu comigo 10 anos. Nesta década, tivemos bons e maus momentos. Eu me arrependo sobretudo de ter deixado ele de lado quando meu filho humano nasceu. Poderia ter aproveitado melhor a companhia dele, e me dedicado mais. Nos dois anos iniciais da vida do meu filho humano, foi tudo muito louco e corrido, com trabalho e mil compromissos, e eu não tinha tempo para o meu amor felino.

Mas ele esperou. E a correria foi diminuindo, e ele estava lá aguardando o meu amor. Eu beijei, cheirei, abracei, apertei contra mim. Aí chegou a vez do meu filho humano compartilhar do amor de Capitu. Ignorei mil recomendações médicas e deixei que os dois interagissem, criassem laços. Só me arrependo de uma coisa dessa experiência: de não tê-la deixado acontecer antes.

Ontem, meu filho humano chorou muito ao perder seu irmão gatinho. Eu chorei junto. Solucei, quase gritei. Quase não, eu gritei.

Sobre essa saudade, acho que um dia ela fica mais branda. E talvez eu pare de enxerga-lo pelos cantos da casa, de esperar que ele se enrosque em minhas pernas enquanto lavo a louça. O que mais me dói é não poder voltar atrás para corrigir o tempo que ele ficou em segundo plano.

Algumas pessoas me dizem que eu fui guerreira por não ter cedido à pressão dos médicos e do mundo pra me livrar dele por conta da asma do meu filho humano, mas não vejo heroísmo nisso, vejo obrigação. E vejo também a recusa de alguém que é apaixonado e se recusa a abrir mão da criatura amada.



Comentários

Postagens mais visitadas