Os neocomensais da morte

As semelhanças que envolvem as figuras de Voldemort e Hitler e as guerras em que estiveram envolvidas é inegável. Para quem olha de longe, pode parecer que Voldemort é apenas mais um inverossímil malvado na tentativa de dominar o mundo e subjugar a humanidade. Entretanto, estamos tratando de uma figura que infelizmente não está tão distante do que somos, ou das monstruosidades que nós, seres humanos, cometemos ao logo da história.

A trama escrita por Joanne Rowling traz em seu enredo temas muito frequentes na história da humanidade. A discriminação racial e o preconceito de classe mostram sua cara no comportamento anti-trouxas, na perseguição aos bruxos mestiços e no desrespeito aos bruxos menos favorecidos financeiramente. Estes elementos são o pano de fundo para as teorias de dominação dos trouxas que o Lorde das Trevas utiliza para recrutar seu exército. Fora do mundo mágico, Adolf Hitler se apoiou na discriminação racial para destacar a raça ariana das demais e justificar a sua sede pelo poder. Os indivíduos da “raça pura” deveriam subjugar os outros. Nada muito diferente dos planos que Voldemort tinha para os bruxos de sangue puro. E os pontos em comum entre os dois não param por aí.

As semelhanças entre Você-sabe-quem e Hitler não são mera coincidência. Assim como Voldemort, Hitler envergonhava-se de sua origem humilde. Ambos eram órfãos inteligentes (Tom jamais conviveu com os pais e Hitler perdeu os dele cedo) buscando destaque entre a multidão. Enquanto Hitler conquistava multidões com sua habilidade em discursar, Voldemort despertava a admiração dos bruxos com a sua enorme perícia em magia e carisma. A frieza com que tratavam suas inúmeras vítimas os torna ainda mais próximos.

As guerras bruxas que envolvem Voldemort apresentam muitas semelhanças com a Segunda Guerra Mundial. Nas fileiras de Hitler e Voldemort estão servidores devotados a seus líderes e à sua fraca teoria de supremacia. Os Comensais da Morte convivem com as mesmas contradições que os nazistas seguidores de Hitler. Os primeiros defendem a supremacia dos bruxos de puro sangue, mas não estão isentos de sangue trouxa, já que praticamente não existem linhagens onde não tenha havido mistura entre bruxos e não-bruxos. A hipocrisia é bem parecida com a vivida pelos nazistas. A tal raça pura que defendem e afirmam pertencer não existe.

Joanne Rowling nos deixou valiosos ensinamentos sob a forma de histórias mágicas. Suas mensagens, além de divertir, despertam uma postura crítica no leitor. A estreita ligação entre o mundo bruxo e o real nos faz discutir a postura humana de maneira lúdica e convidativa. Em um mundo repleto de injustiças, a capacidade de questionar é valiosa. A saga Harry Potter nos dá isso sem abrir mão da fantasia. Não construir novos Adolf Hitler fica mais fácil quando lemos a derrota de Voldemort.

Quando Joanne Rowling criou Voldemort e os Comensais da Morte em seus livros, estava usando a realidade como base para a fantasia. Já analisamos aqui as semelhanças entre Voldemort e Adolf Hitler, cruzando as guerras que envolveram estas figuras e as fracas teorias que as moveram. Acontece que a derrocada de Hitler não impediu a proliferação do neonazismo.

Olhando para nossa realidade atual, é inevitável refletir sobre o mundo criado por Rowling. Se por aqui as ideias de Hitler ainda encontram seguidores através dos neonazistas, talvez, no mundo bruxo, as gerações posteriores a Harry ainda tenham que enfrentar as teorias malucas que defendem a superioridade dos puro-sangue. Talvez haja gente estampando a Marca Negra por lá, assim como ainda há gente adorando a suástica por aqui. Os Neocomensais da Morte ainda podem estar pregando o ódio na penumbra das vielas bruxas, como seus irmãos de carne e osso ainda insistem em fazer por aqui, apesar das lições históricas.

*Texto originalmente publicado em minha coluna na Potterish em 21 de setembro de 2014 às 13:32

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